domingo, 18 de fevereiro de 2018

Quando a morte bate à porta

Texto publicado pela Revista D'Àvila
http://www.revistadavila.com.br/2017/10/quando-a-morte-bate-a-porta/

Na última semana vivi com minha família o drama de enterrar um ente querido. Momento de muita dor e tristeza que tomou conta de todos. Lidar com a morte de forma natural é muito difícil, embora esta seja a maior certeza com que todos se deparam a partir do nascimento. Há tempos atrás,  a morte era mais próxima das pessoas e mesmo, sempre sentida intensamente, os funerais eram mais prolongados e feitos em casa, os doentes eram assistidos de perto pelos familiares e podiam morrer dentro da própria casa.
Hoje os doentes são afastados do convívio familiar, muitos morrem sozinhos em leitos hospitalares, são velados e enterrados rapidamente e com tudo isso as crianças são afastadas da dor, da doença e da morte. São poupadas de  acompanhar esse momento dolorido e de forte impacto emocional.
Foi uma vigília longa, alguns parentes moram distantes e a nossa família fez questão de estar presente o tempo todo, não paramos o velório para voltar no dia seguinte.
A morte de alguém importante  é o maior exemplo de superação que um ser humano pode vivenciar. A dificuldade torna-se ainda maior para as crianças que muitas vezes ficam confusas, inseguras, chegando até a sentirem-se culpadas pelo ocorrido.
Tínhamos algumas crianças pequenas no velório e fiquei observando como os pais tratavam o assunto com os pequenos. Com uma das crianças,  a mãe levou-a até próximo do rosto da bisavó, contou que ela estava dormindo, pois tinha virado uma estrelinha e que ela podia mandar beijo para ela quando as estrelinhas aparecessem no céu. A criança perguntou com carinho:”__ Posso dar um beijo nela?” E a mãe respondeu afirmativamente.
Em outra situação, o choque da menininha Duda veio na hora em que o caixão foi fechado. A vó saiu do campo visual, bateu o desespero. Ela chorou muito e disse: “ __ Acho que Deus levou ela para sarar, mas ele vai devolver a vó Liquinha”.

O assunto da morte é muito difícil para as crianças. Como pode ser enterrado no chão e virar estrela? Como isso acontece? Que mágica é essa? Para onde vão de verdade? Por isso tem que acontecer com que eu gosto? De quem foi a culpa?

O sentimento de culpa pode invadir a criança que um dia, raivosa, pode ter desejado  que aquela pessoa sumisse ou fosse para bem longe.
A confusão advém do fato de ainda não terem todas as experiências necessárias para entenderem este acontecimento que envolve perda, dor e ausência.
A insegurança se dá devido ao medo de perder aqueles que a protegem, de ficar sozinha, abandonada. Às vezes chegam a temer a sua própria morte.
Crianças merecem explicações claras, simples e verdadeiras onde os sentimentos não sejam omitidos ou carregados e crendices. Somente a partir de 7 ou 8 anos a criança começa a entender mais claramente a morte e as questões que a envolvem.
Hoje em dia  aconselha-se que crianças pequenas não acompanhem funerais. Já as maiores de cinco anos até podem participar, porém devem ser orientadas sobre o que vão presenciar e questionadas se querem ou não chegar perto do caixão ou tocar a pessoa morta e sua vontade deve ser respeitada.  Muito importante também é não deixá-la muito exposta durante o velório. Evitando sua presença nos momentos de grande tristeza ou de despedidas.
A morte ensina que somos falíveis e impotentes. Conceitos que precisamos aceitar querendo ou não. Mas também remete ao entendimento da importância da valorização da vida e de seus momentos felizes.

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