domingo, 29 de março de 2015

“ Cadê aquela rodinha vermelha no rosto?”

                       

  Pensando nas relações entre as pessoas me deu vontade de escrever sobre as emoções que as permeiam.
     É fácil falar com as pessoas pelas telas dos celulares e computadores. Se por um lado parece que as pessoas estão escancarando mais seus sentimentos e desejos, usando os canais das redes sociais para desabafar e explicitar seus pensamentos, libertando-se de pudores e amarras, usando da liberdade de poder se expor, por outro lado, cada vez mais as pessoas podem esconder seus verdadeiros sentimentos, pois a tela não capta todas as reações emocionais e corporais que o “cara a cara” permite.
      Mentiras, enganações, xingamentos, ironias, insinuações, desrespeito são cada vez mais comuns nas relações virtuais e reais. Parece que todos estão ansiosos, impacientes, acelerados, cansados, sem tempo e vontade de dar explicações.
     Empenhados em ter seus desejos e vontades satisfeitos, as pessoas dedicam-se a ser felizes a qualquer custo: passando os outros para trás,  se colocando na frente para ter o destaque em detrimento do esforço alheio, trapaceando em projetos, plagiando ideias, terceirizando os filhos, estacionando em lugares preferenciais, mostrando esperteza em ações desrespeitosas no trânsito, tirando vantagens, praticando pequenas, médias e grandes formas de corrupção, que acreditam ser aceitáveis, e assim vai.
     Lidando com pessoas, vejo que a grande maioria, não se constrange mais com os erros, nem com os atrasos, pouco se importam com cobranças, ignoram procedimentos combinados, fazem acordos que são esquecidos, não concluem tarefas e afazeres da sua lista de serviços, demonstram não entender as cobranças, fingem-se de esquecidas, inventam desculpas infantis para serviços não realizados, enfim, culpam o tempo, as circunstâncias, os outros, por não darem conta de suas atribuições profissionais ou pessoais.
     Ficar embaraçado diante de cobranças e exigências é uma característica que tem se tornado rara entre os cidadãos.
     Enrubescer diante de erros e enganos é um ato que não temos visto com frequência.
     Corar e mostrar o rosto vermelho são atitudes pouco notadas, já que muitos se sentem necessitados de exigir seus direitos antes de cumprir seus deveres.
     Ficar sem graça e desconcertado parece ser coisa do passado, não cabe no tempo presente.
     Ficar com o rosto vermelho é um sinal que o corpo está reagindo à alguma situação difícil ou constrangedora com uma descarga de adrenalina, que acelera o ritmo cardíaco e respiratório, mandando mais sangue para o cérebro e os vasinhos por onde o sangue passa aumentam de tamanho provocando a vermelhidão. Explicação da ciência para a expressão popularmente chamada “vergonha na cara”.
     O lado bom dessa discussão é saber que pesquisadores da Califórnia, através de seus estudos, atestaram que  pessoas assim são mais generosas, cooperativas e confiáveis.
     Isso me fez pensar na educação que tive, nas orientações severas dos meus pais, na cobrança por ser correta sempre. Hoje adulta, ainda enrubesço, fico sem graça,  quando sou cobrada por algo não feito e que era da minha alçada, por esquecimentos que eram de minha responsabilidade, por omissões, deslizes ou  quando duvidam da minha palavra.
     Mesmo sabendo que esse tipo de constrangimento é considerado uma virtude por muitos, às vezes me sinto uma “estranha no ninho”. Parece que ser certa, agir corretamente, enfrentar as dificuldades com altivez e ser honesta são valores atribuídos a pessoas bobas, ingênuas e simplórias.
     Ainda hoje, muitas vezes, ouço o eco das palavras do meu pai a perguntar:“ __Cadê aquela rodinha vermelha no rosto?”
    Então, também pergunto: __Cadê?

                                                                                    Rosângela Silva