domingo, 9 de agosto de 2015

Um presente bem dado

      No dia seguinte à comemoração do seu aniversário a menina Ana Júlia se empolga com um quebra-cabeças de duzentas peças que ganhara da vó Lena. Avós normalmente dão presentes adoráveis aos seus netos.
      O dia estava frio e chuvoso, convidando  todos para o recolhimento. Dia preguiçoso, roupas confortáveis, cobertor no sofá, colchão jogado no chão, conversa rolando solta, risadas escancaradas.
Cenário propício para uma boa reunião de família, desta vez sem a distração dos celulares, já que estavam todos num local sem rede, sem conexão.
      Voltando ao presente da menina, ela e seu pai começaram a procura pelas peças  numa tarefa que duraria algumas horas.
     Sentada num canto comecei minha observação.
     Na mesa do centro o desenho de uma cena começava a esboçar. Pai e filha começaram a separar as peças por cores, alternando entre preencher o jogo e agrupar as peças.
     Após um tempo de tentativas, se afastam e de repente o quebra-cabeças chama a atenção de outra pessoa que senta, olha e começa a raciocinar na escolha das peças a serem colocadas. Um tempo ali quebrando a cabeça, várias peças encaixadas e uma pausa.
     Mais um tempo e um grupo se volta ao quebra-cabeças. Olham a cena que estava sendo composta e começam a maquinar novas tentativas de encaixe. Avançam na colocação das peças e saem dando lugar a outras pessoas. Os encaixes eram feitos por pessoas de todas as idades indo das crianças aos idosos.
Assim sucederam muitas jogadas. Pessoas olhavam, encaixavam peças e saíam.  E a cada jogada, novas peças davam origem à cena e a vontade de terminar ficou imensa.
     A chuva continuava. Agora o grupo todo se juntou. E foi uma grande corrente de energia que reuniu todos num único objetivo. Como cada um tinha ajudado na construção do jogo, agora todos se sentiam responsáveis por concluir a tarefa. 
     Quando a última peça foi colocada, a vibração foi bonita de se ver. Gritos, risos, abraços. Uma única torcida em prol da realização final.
     Fiquei observando, pensando e tirando dali muitas lições.
     Primeiro,  a lição da importância do brincar junto, da  interação, da troca de experiências.
     A segunda lição é do valor do trabalho em equipe. Quando um desistia, logo vinha outra pessoa e recomeçava o jogo. O jogo foi um elo que ligou a todos num único objetivo.
     Outra lição foi a da importância do foco. Mesmo alguns tendo se dispersado, o jogo manteve-se ali,  e ao passarem pela mesa a atenção voltava e com ela o desejo de terminar aquela história.
     Fico  a pensar que tudo isso só foi possível porque a vó Lena comprou um presente que permitiu toda essa interação e porque todos estavam distantes das redes, “em OFF para a tecnologia” e plugados apenas no interesse por terminar aquele jogo de quebra-cabeças.
     Que nos cerquemos que momentos assim!!!

Rosângela Silva

domingo, 21 de junho de 2015

Era uma vez... uma mãe recém-nascida


Há 15 anos atrás era uma “mãe recém-nascida”.
Muito assustada com essa vida que acabava de ganhar, pouco enxergava, mexia assustada com meu bebê, tocava com receio, engatinhava na arte de ser mãe... Levantava à noite e colocava  minha mão sobre seu nariz para checar se estava respirando, media a febre desnecessariamente, levava ao médico no primeiro espirro.
Os ruídos e choros me perturbavam, a amamentação era um misto de alegria e susto.
Tombos, sustos, doenças infantis, machucados, picadas me afligiam. Era uma “ mãe recém-nascida” e não sabia muito das coisas.
Era uma “mãe recém –nascida” para esse imenso papel cujas funções não acabariam nunca.
O tempo passou e tornei-me uma “mãe-criança”.
Já tinha descoberto muitas coisas e já arriscava dar uns passos de independência. Podia me distanciar um pouco da minha cria, podia deixá-la dormir na casa da avó, do pai, dos tios. Podia arriscar mais nas broncas, nas cobranças, ser mais firme nos limites. Sabia que mesmo assim, seu amor para comigo não deixaria de existir.
Mas ainda era uma mãe receosa, tinha muitos medos e não sabia  tantas coisas...
Hoje quando olho para trás e completo 15 anos no papel de mãe posso dizer que tenho cumprido minha missão, mas sei que sou uma “mãe-adolescente” nessa função. Estou debutando hoje junto com você,minha filha.
Embora já tenha debutado por três vezes, afinal já passei dos 45 anos, hoje estou aprendendo sobre atitudes opositivas, crises existenciais, busca da independência,  inseguranças e indefinições,emoções desequilibradas,  refúgios e isolamentos, inconformismos,  enfrentamentos, músicas em volume excessivo, portas batendo etc.
 Sei que  tenho que me preparar, pois ainda vêm muita coisa pela frente. Você vai virar adulta e em breve chegarão outras novas experimentações, descobertas, as saídas e viagens com os amigos, a faculdade, talvez longe dos meus olhos, o início de uma carreira profissional, os amores, os filhos.
Eu crescerei junto com você minha filha, assistindo na primeira fila e torcendo por seu sucesso. Rezando todas as manhãs para que seu dia seja abençoado, mesmo nem sempre estando perto para fazer o sinal da cruz em sua testa, como faço hoje todos os dias.
Hoje vou usar Nando Reis para falar do meu amor por você: “ Minha cor/ minha flor,
/minha cara/ Não sei se o mundo é bom/ mas ele ficou melhor/quando você chegou/ e perguntou/ Tem lugar pra mim?”
Te amo muito, mesmo nas contrariedades, não se esqueça disso: “Meu mundo ficou MUITO melhor depois da sua chegada!!!


domingo, 29 de março de 2015

“ Cadê aquela rodinha vermelha no rosto?”

                       

  Pensando nas relações entre as pessoas me deu vontade de escrever sobre as emoções que as permeiam.
     É fácil falar com as pessoas pelas telas dos celulares e computadores. Se por um lado parece que as pessoas estão escancarando mais seus sentimentos e desejos, usando os canais das redes sociais para desabafar e explicitar seus pensamentos, libertando-se de pudores e amarras, usando da liberdade de poder se expor, por outro lado, cada vez mais as pessoas podem esconder seus verdadeiros sentimentos, pois a tela não capta todas as reações emocionais e corporais que o “cara a cara” permite.
      Mentiras, enganações, xingamentos, ironias, insinuações, desrespeito são cada vez mais comuns nas relações virtuais e reais. Parece que todos estão ansiosos, impacientes, acelerados, cansados, sem tempo e vontade de dar explicações.
     Empenhados em ter seus desejos e vontades satisfeitos, as pessoas dedicam-se a ser felizes a qualquer custo: passando os outros para trás,  se colocando na frente para ter o destaque em detrimento do esforço alheio, trapaceando em projetos, plagiando ideias, terceirizando os filhos, estacionando em lugares preferenciais, mostrando esperteza em ações desrespeitosas no trânsito, tirando vantagens, praticando pequenas, médias e grandes formas de corrupção, que acreditam ser aceitáveis, e assim vai.
     Lidando com pessoas, vejo que a grande maioria, não se constrange mais com os erros, nem com os atrasos, pouco se importam com cobranças, ignoram procedimentos combinados, fazem acordos que são esquecidos, não concluem tarefas e afazeres da sua lista de serviços, demonstram não entender as cobranças, fingem-se de esquecidas, inventam desculpas infantis para serviços não realizados, enfim, culpam o tempo, as circunstâncias, os outros, por não darem conta de suas atribuições profissionais ou pessoais.
     Ficar embaraçado diante de cobranças e exigências é uma característica que tem se tornado rara entre os cidadãos.
     Enrubescer diante de erros e enganos é um ato que não temos visto com frequência.
     Corar e mostrar o rosto vermelho são atitudes pouco notadas, já que muitos se sentem necessitados de exigir seus direitos antes de cumprir seus deveres.
     Ficar sem graça e desconcertado parece ser coisa do passado, não cabe no tempo presente.
     Ficar com o rosto vermelho é um sinal que o corpo está reagindo à alguma situação difícil ou constrangedora com uma descarga de adrenalina, que acelera o ritmo cardíaco e respiratório, mandando mais sangue para o cérebro e os vasinhos por onde o sangue passa aumentam de tamanho provocando a vermelhidão. Explicação da ciência para a expressão popularmente chamada “vergonha na cara”.
     O lado bom dessa discussão é saber que pesquisadores da Califórnia, através de seus estudos, atestaram que  pessoas assim são mais generosas, cooperativas e confiáveis.
     Isso me fez pensar na educação que tive, nas orientações severas dos meus pais, na cobrança por ser correta sempre. Hoje adulta, ainda enrubesço, fico sem graça,  quando sou cobrada por algo não feito e que era da minha alçada, por esquecimentos que eram de minha responsabilidade, por omissões, deslizes ou  quando duvidam da minha palavra.
     Mesmo sabendo que esse tipo de constrangimento é considerado uma virtude por muitos, às vezes me sinto uma “estranha no ninho”. Parece que ser certa, agir corretamente, enfrentar as dificuldades com altivez e ser honesta são valores atribuídos a pessoas bobas, ingênuas e simplórias.
     Ainda hoje, muitas vezes, ouço o eco das palavras do meu pai a perguntar:“ __Cadê aquela rodinha vermelha no rosto?”
    Então, também pergunto: __Cadê?

                                                                                    Rosângela Silva





 


sábado, 24 de janeiro de 2015

Criança tem cada uma...


Aparentemente dois troncos de madeira, usados para sentar na varanda da casa...


Para o menino Bruno que está sendo alfabetizado, significa bem mais do que isso...
As letras brotaram conforme foi contornando o símbolo que estava gravado em sua memória.


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

As paredes do quarto dos adolescentes

                                      As paredes do quarto dos adolescentes






     Na adolescência as paredes dos quartos dos adolescentes são bem interessantes de se estudar. Elas viram outdoors, revelam seus desejos, sonhos e inspirações.
     Elas projetam no exterior que  os adolescentes sentem interiormente. É como um jardim na primavera explodindo em cores. Nesse caso aqui, as flores, não são bem flores. São pôsteres, lâmpadas coloridas, fotos, palavras e frases, adesivos etc.
     O quarto é um refúgio para os adolescentes que estão numa fase introspectiva, de muitas descobertas e questionamentos.
     Lembro do quarto de umas primas minhas há muito tempo atrás em que as paredes e o teto eram  revestidos de imagens de artistas. Eram cantores, dançarinos, atrizes e atores famosos na época. Eu, bem criança, ficava encantada, não parava de olhar, de descobrir novas estrelas, naquela imensa constelação.
     O quarto também revela a identidade do adolescente, seu jeito de ser, de pensar e de buscar as respostas para as suas indagações.
     Assim, as paredes podem revelar romantismo  quando estão apaixonados.  Aí são corações, fotos, flores, arabescos delicados, almofadas, apanhadores de sonhos, espelhos, porta-retratos  em cores claras.
     A rebeldia também fica estampada quando vemos grafites, objetos de cores escuras, painéis e símbolos de contestação, na desordem que foge da compreensão dos pais. Diferente dos pichadores de muros e paredes que danificam o patrimônio para  forjar sua marca intervindo de forma negativa no espaço urbano, os adolescentes, em seus quartos, querem apenas revelar-se nas marcas que colocam, serem notados e talvez, entendidos.
     As coleções também aparecem como elementos que mostram seus gostos: carrinhos, bonecas, pedras, capinhas de celular, conchinhas, perfumes, cards, CDs, DVDs, etc.
     A idolatria aos ídolos mostram os pôsteres,  trechos das letras das músicas, frases que transcrevem seus pensamentos e personalizam sua identidade.
      Nesse lugar preferido da casa, se encontram com amigos e consigo mesmos. Como se estivessem numa caverna em que podem mostrar-se como pensam, sem ser surpreendidos pelos adultos que os rodeiam, o quarto é um lugar de introspecção e de projeção daquilo que acreditam.
     E nós pais, do lado de fora, esperamos que nesse ambiente os sonhos sejam muitos. E que eles se concretizem. Amém.


                                                                         Rosângela Silva